segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Cruzando a Fronteira Impossível


A disposição de tentar cruzar a fronteira de volta para o Brasil através de sua rota mais improvável foi também uma tentativa de mostrar quão absurdo é a condição de estar tão próximo e ainda assim tão longe, de um país vizinho que tem tanto a nos oferecer.
A rota escolhida passava por dois dias de barco subindo o rio Ucayalli até a municipalidade de Bolognesi. Dalí partiria de motocicleta através de uma estrada aberta por madeireiros, até a municipalidade do Breu, ainda em território peruano, mas já em pleno “Vale do Yuruá”.
O que ocorreu foi que a grande falta de informações precisas sobre a rota, acabaram por inviabilizá-la. Enquanto alguns afirmavam ser totalmente possível, outros já desestimulavam a tentativa, por cinta de que as chuvas já haviam começado. Outro problema também é que ainda que a rota apareça nos mapas do Ministério dos Transportes do Peru (UC 105) como uma via estadual, na pratica ela é apenas uma rota de madeireiros que passa por dentro de Terras Indígenas (em sua maioria Ashaninkas peruanos). Em Pucallpa chegava a notícia de que um motociclista australiano teria sido detido pelos indígenas dentro de suas áreas.
Todas estas dificuldades trouxeram aliados inesperados, o “Charapa’s Rally Club”, equipe de motociclistas pucalpinos acostumados a fazer o impossível em termos de motociclismo em terras amazônicas.
Fizemos contato com o engenheiro da empresa madeireira responsável pela rota para que este nos autorizasse a passar. Este apenas nos disse que a autorização caberia na verdade às comunidades indígenas. Entramos em contato com as lideranças através de suas representações na cidade e estes nos expediram uma autorização. Apesar disso, a diretoria da organização através de rádio, obteve a informação de que pelo menos uma das quatro pontes, já estavam cobertas de água, inviabilizando esta rota.
A única alternativa então era então embarcar a motocicleta em um vôo para a municipalidade de Breu, mas dias seguidos de chuva impossibilitavam a aterrissagem de qualquer aeronave na sua pista de terra.
Depois de mais de uma semana de espera, consegui finalmente embarcar a motocicleta e atravessar o Ucaially, passando bem próximo à nascente do rio Yuruá.
No Breu (antigo Tipisca), consegui uma carona até a Foz do Breu, já em território brasileiro e no mesmo dia, um grupo de indígenas Kaxináua que desciam o rio me deram uma carona (inclusive com a moto) até Marechal Thaumaturgo. De lá a moto foi embarcada em um batelão que me trouxe de volta para Cruzeiro do Sul.
Com isso completava uma viagem de mais de 4 mil quilômetros cruzando florestas, montanhas, desertos, conhecendo um país com mais de 5 mil anos de historia, com problemas e contradições muito semelhantes ao Brasil, mas que com certeza também tem muito a ensinar e aprender conosco. Um verdadeiro universo de possibilidades, não apenas de comércio de trocas culturais, de valores, de um povo que tem a nós, brasileiros, em alta estima.


Posso dizer que foi uma verdadeira "viagem sem volta", uma vez que nunca voltei, apenas "dei a volta", completando um circulo mco9mpleto saindo de CZS- Rio Branco - Assis Brasil - Puerto Maldonado - Cuzco - Abancay- Nazca - Lima - La Oroya - Tingo Maria - Pucalpa - Yuruá - Marechal Thaumaturgo - Cruzeiro do Sul.

O que é que Pucallpa tem?


As noticias recentes de que o intercambio comercial com Pucallpa está há apenas um pequeno passo de se tornar realidade, desperta em nós a curiosidade para saber o que esta cidade com pouco mais de 400 mil habitantes teria a oferecer a nossa região.

Um rápido passeio pelas ruas de Pucallpa já nos chama a atenção a grande quantidade de “rípio”(cascalho) utilizado para melhorar as condições de trafegabilidade nas ruas.

Também chama a atenção a grande variedade de frutas, verduras e legumes, alguns dos quais nos são totalmente desconhecidos. Há fartura de uvas, macas, pêssegos e frutas como o saboroso e suculento “melão pepino”. Uma grande variedade de tipos de maracujás, figo-da-índia e cítricos.

O fato é que Pucallpa está há pouco mais de 800 kilometros de Lima, e há menos de 500 da região serrana de Huanuco. Resta muito poço para que a “Carretera Central”(Lima-Pucallpa) seja concluída, e apesar disso, o tráfego já é possível de inverno a verão.
Com isso, podemos dizer que a integração com Pucallpa não se dará apenas com a região do Ucayalli, mas com todo Peru. O relevo acidentado deste país permite uma infinita gama de micro-climas que possibilitam o cultivo de frutas típicas dos países temperados em áreas próximas a selva.

O rio Ucaially permite a ancoragem de navios de grande calagem que embarcam desembarcam petróleo e cimento em grandes quantidades. As ruas de Pucallpa também são fartas de lojas de auto e motopecas que movimentam um setor importante da economia ucaialina.

Também surpreende-me saber que há, em Pucalpa uma fabrica de ração para peixes que poderia representar um importante incremento para os setor de piscicultura.

Intercambio Cultural

No entanto, a ligação com Pucallpa permite bem mais do que a troca de mercadorias. Um grande numero de instituições de educação poderiam vir a ser compartilhadas também com brasileiros. A principal destas instituições é a Universidade Nacional de Ucayally que oeferece cursos de Direito e Ciências Políticas, Medicina, Administração, Contabilidade, Engenharia Florestal e Agronômica e Educação. Há também a Universidade Intercultural de la Amazônia, criada para atender as comunidades nativas com os cursos de Educação, Engenharia Florestal e Administração. Afora estas duas instituições públicas de ensino superior existem duas outras universidade particulares em funcionamento: a Universidade Privada de Ucayalli, e a Universidade Alas Peruanas esta com o curso de engenharia ambiental.
Em nível técnico, os pucalpinos contam com o SENATI (semelhante ao nosso SENAI) que oeferece cursos de mecânica automotiva, eletricidade indústria, mecânica de manutenção, mecânica de motores menores e inglês técnico.

Lazer

O centro de Pucallpa não é de fato um lugar muito atrativo ao turismo, ainda assim, os arredores do lago Yarinacocha, um outro distrito de Pucallpa, possui inúmeros bares, restaurantes e locais para dançar a “cúmbia”, verdadeira paixão nacional.
Também se oferecem passeios de barco para vistar a “jungla” espécie de mini-zoológico do outro lado do Yarinacocha.

Na avenida centenário, em direção ao aeroporto há um Parque Natural com um Zoológico com espécies nativas. Na cidade de Contamana (95 km , 30 min de avião ou 12 horas de barco) existem balneários com águas termais e Huánuco (450 km – acesso rodoviário) possuiu um dos melhores climas do mundo. Sua temperatura levemente fria e seu ar mais seco, são recomendados pela OMS para o tratamento de problemas respiratórios, cidade a que recorrem muitos ucayalinos para este fim.

Pucalpa dá adeus à Pablo Amaringo



Verdadeiro icone da cultura ucayalina, Pablo Amaringo (vale a pena uma visita no site oficial para ver suas pinturas) ganhou notoriedade inernacional desde quando decidiu pintar suas visoes com a ayahuasca. Suas pinturas forma temas de estudos internacionais sobre a consciencia humana e tornou-se referecia para ayahuasqueiros do mundo todo. Uma de minha spretensoes de vir a Pucalpa era de coñéese-lo pessoalmente e quem sabe, realziar uma entrevista. Contudo, no dia seguinte em que cheguei, vi estampadas nas manchetes dos principias jornais de Pucallpa a noticia de seu falecimento, aos 73 anos. Os dias segintes foram repletos de um sentimento de comoçao publica por esta perda. Pablo Amaringo mantinha uma escola de pintura no Ucaially.

Lago Yarinacocha

Principal cartao postal de Pucalpa, o lago Yarinacocha (literalmente, lago da Jarina) é utilizado nos fins de semana para recreaçao e lazer, desde os mais humildes, aos mais abastados. Contudo, os pucalpinos estao preocupados com o crescente assoreamento do lago que pode vir a desaparecer com o tempo. Em parte um processo natural, mas que também é acelerado pela ocupaçao humana indiscriminada em suas margens. O governo departemental tem determinado a dragagem como forma de manter o “Yarinacocha.”

Conhecendo a um "Maestro"

Mesmo com cerca de 12 anos de ayahuasca, sempre fui relutante em procurar por “chamanes” no Peru. O principal motivo é que me soa estranha a abordagem “turística” da ayahuasca que muitas vezes se faz por aquí, principalmente por conta do assédio de milhares de estrangeiros europeus e norte-americanos.
Por esta razao, e para evitar sofrimentos desnecesarios, preferi ficar “na minha” aquí em Pucallpa.
Mas, depois de uma semana de tentativas frustradas de deixar o Ucayalli, mudei de idéia.
Pensei, que se afinal de contas estou aquí, e nao posso sair por razao das chuvas, por que nao entao aproveitar este momento e conhecer um pouco da magia Shipibo, que faz gente de tao longe vir até aquí?

Procurei entao em uma casa de “artesania” no Lago Yarinacocha, recorrendo a quem poderiam aquelas señoras conhecer. Apresentaram-me a um señor de aproximadamente 50 anos, Miguel. Disse-lhe que estava me sentindo um pouco mal de saúde e que necesitava abrir meus caminhos para chegar em casa.

Ele me recebeu muito bem em sua humilde casa. Na verdade um grande salao coletivo, onde vivem seus filhos, com as esposas e netos. Algunas horas antes da cerimonia deu-me uma bebida bem forte: um extrato de plantas medicinais.

Chegada a hora da ceremonia, surpreendeu-me a forma da bebida: praticamente sem cheiro ou gosto, e de uma consistencia bastante apurada. Deu-me uma quantidade pequena, o equivalente a um cálice.
Nao demorou para que comecasse a fazer efeito. Ao som de seus Icaros, a Força a foi chegando. Em dado momento, Dom Miguel pediu-me que me sentasse (estava recostado) e disse: “Si puedes, mira-me”. Fiz o que pediu, embora fosse muito difícil. A Força tornou-se insuportavel. Passei por um sofrimento muito grande, mas a parte de tudo isso, sentia uma total confiança no “Maestro” que conduzia o trabalho.
Enfim, vomitei. Não fora um simples vomito, mas um vomito que limpava os reconditos mais escuros e dolorosos de minha alma. Passei a suar como nunca antes e associei em parte a bebida que havia me administrado horas antes. Sua esposa, com igual competencia, cuidava de mim, com suas maos perfurmadas susteve minha cabeça, e percebi estar diante de pessoas cujo tamanho do conheceimento só podia ser comparado com seu prório amor.

Após vomitar por duas, tres vezes e suar copiosamente, também comecei a escarrar, limpando também os bronquios.

Somente depois disso comecei a mirar. Não foi necessaria uma segunda dose. Aquela pequena quantidade durou por mais de 4 horas. Entrei em um tempo agradável, sentindo fluir em volta de mim um amor e uma luz, uma confiança como munca antes.

Desenhos Shipibo reluziam por todo espaço em nossa volta e percebi se tratar de um povo de ayahuasqueiros milenares. Alegre, Dom Miguel cantava agora a sua esposa, que dançava suavemente ao som de seus Icaros.

Dom Miguel provou diante de meus olhos, de se tratar de um “Maestro” de verdade. Durante toda a ceremonia, nada, exatamente nada, saiu de seu comando. Nenhum som, movimento ou pausa de silencio foi por assim dizer “a toa”.
Tudo ocorreu dentro de uma sincronia perfeita, fruto de uma conexao impecavel, que somente um verdadeiro “Maestro” pode ter.

Pucalpa, Solidão e Rock n' Roll


Sou impelido a escrever por nada mais do que o entra e sai de putas deste hotel. Fim de viagem , e quase já nao me sobre a “plata” para pagar este pulgueiro.

Elas, apesar de contarem com o meu total e irrestrito respeito, nao me deixam dormir todavía.
Pucallpa é uma grande farra: madeira, ouro e outras cositas más fazem a plata circular em suas veias. E para fazer jus às contradiçoes, é também a cidade ayahuasqueira por excelencia, verdadeira referencia nacional e internacional. Mas, meus caminhos, com seus pneus e carburador me levaram aos motoqueiros e estes curtem rock e cerveja. Tudo bem, aceito o destino, desta vez. Com minha moto parada na oficina há uma semana, estou sem mobilidade. Dinheiro, nem para o Ceviche. Por bem que ainda si puede tomar “massato” por apenas 50 céntimos. Pela primeira vez, sinto o “hueco” (buraco) da solidao a me perturbar.

Nao fora asim durante toda a viagem. Percorri satisfeito as altitudes, selvas e desertos. O Sol, o Céu e as Montanhas me bastaram imensamente. Nao havia solidao, nem mesmo solito na noite silente da montanha sob as estrelas em Taray.

Havia antes um transbordamento de felicidade, de contentamento, e se senti a falta de alguém do meu lado, nao foi para tapar algum “buraco” deixado pela solidao, senao, para compartir a beleza de cada lugar por onde passei.

Que belo mergulho no inferno, Pucallpa. Jamais me olvidarei! Tuas ruas entupidas de “motocars”, teus tratores selvagens, tuas esquinas, teus farois.

Jamais esquecerei da acolhida dos hermanos “Charapa´s Rally Club” , aventureiros do Peru Selvático.Um mundo tao diverso do meu. Nao tanto pela patria, mas pelas escolhas. Mas se sao fronteiras que nos separam, por que nao cruzá-las? Nunca em toda minha viagem tive tantos amigos, e nunca me senti tao só.

¿Serao as ilusoes que entopem os sentidos?
¿Serao as luzes, as ofertas, os desejos?

Alimentos que nao me servem mais.
Prazeres que apontam em uma única direçao posivel: o vazio.

Vazio que encontro em miha alma. Tao facil é recheá-lo com fantasias doces, quao amargo é descobrí-lo oco.

Mas assim o é. Tampouco econtrei a verdade nos saloes estéreis de adoraçao.
Ainda que imersos em ilusoes estas sao pessoas reais. Gente com a mao suja de graxa que comparte uma cerveza com seus amigos na porta da oficina.
Talvez seja melhor que o prazer mesquinho de contar as notas ao fim do dia. ¿Quem saberá?

Nao entendo mais nada. Mas aos poucos aceito a verdade de que nao há nada para entender.

A vida, essa sim, nos dá razoes de sobra para enlouquecer. ¿E o fazemos?

Extamente isso: enlouquecemos, para poder viver.

Diferente disso, é a distancia, o veto gélido em minha cara, a infinita geografia. Montanhas e Vales, frio e calor, isso para mim é real. O mais é questionavel.

A montanha está ali e temos que subir-la. A cada curva a respiraçao nos falta. Realidade pura despertando os sentidos.

Um paredao de pedras estrangulando a visao e o caminho. O eco de nossos passos. A claustrofobia apertando a garganta. E ao final, se abre, desvelando-se quem sempre esteve alí: o infinito Céu azul, cobrido verdes vales e montanhas.

A liçao que aprendi no Tawantinsuyo é de amar a Realidade, bela ou feia, nao há como separá-la nem de Deus, nem de nós.

Pucalpa: cidade irmã de Cruzeiro do Sul





Chegar a Pucallpa traz uma emoção especial. Primeiro, por que é o destino final de minha viagem no Peru, restando agora somente a travessia de volta para casa. Segundo, por que é uma cidade que todos nós do Juruá pelos menos já ouvimos falar uma dezena de vezes. Considerada como uma “cidade irma” de Cruzeiro do Sul, Pucallpa tornou-se a residencia de muitos cruzeirenses, assim como também Cruzeiro do Sul é o lar de muitos pucallpinos.
Há uma forte identidade com o Brasil, e especialmente o Acre e a Amazonia. Um dos pioneiros fundadores de Pucallpa foi o brasileiro de Tefé no Amazonas: Augustim Cauper Videira e outro, um portugues residente no Amazonas: Antonio Maia de Brito.

Cultura e Culinária

Algo que surpreende em Pucallpa, capital do departamento de Ucayalli é que a cultura indígena está integrada à cultura regional. Assim, é possivel se tomar “massato” (caiçuma) nas ruas, em bares e restaurantes. Aliás, dos melhores restaurantes até as pequenas pensoes do mercado Server pratos que sao típicos da cultura indígena, como por exemplo a “pataraska”, que no Juruá conhecememos como “peixe na pupeca”. Há também carnes “ahumadas (amuquinhadas) e o famoso “tacacho”: bolo de banana grande amassada. Pratos que quem anda pelos seringais e aldeias do Juruá, se ainda nao provou, pelo menos ja ouviu falar, mas que aquí, sao servidos em restaurantes de primeira linha.

Do mesmo modo, há quiosques que server a “aguaje”, nosso popular buriti, e os pucallpinos adoram fazer uma parada lá pelas cinco da tarde para tomar uma “aguajina”.

Um outro exemplo desta integraçao da cultura indígena à cultura regional é a quse onipresença dos desenhos e nomes Shipibo por toda Pucallpa. Seja nas paredes da universidade, no relógio da praça central, e mesmo em roupas da moda que vao de camisetas a biquinis, os inconfundiveis desenhos Shipibo estao por toda parte.

Madeira

A principal atividade economica e verdadeira mola propulsora da economia ucayalina é a extraçao madeireira. Em tese, existem tramites legais semlehantes ao Brasil: exigencia de plano de manejo, fiscalizaçao do organismo responsable (IRENA, semelhante ao IBAMA) e etc. Na prática, percebe-se que há uma pressao muito grande pelo produto madereiro. Por outro lado encontramos plantaçoes de mogno nos arredores de Pualpa, e também é grande o numero de engenheiros florestais formados pela universiadde federal de Pucalpa. Mas, entre a populaçao mais esclarecida, já se passa a sensaçao de que o “ciclo da madeira” já esteve no seu ápice e começa a declinar. É aí que muitos sonham com a integraçao a Cruzeiro do Sul. Principalmente pela possibilidade de desafogar uma economia que parece estar em vias de uma asfixia. Asfixiante é também o ar da cidade, caregado por millares de “motocars” (triciclos motorizados) que substituem a total ausencia de transporte público. Em muitos aspectos, Pucalpa é uma demonstraçao d euma cidade em que circula muito dinheiro, onde o setor privado domina e o setor público se ve as voltas com uma cidade que cresce em ritmo vertiginoso, com novos bairros e invasoes a cada ano.

Integração

Integraçao copm o Brasil via Cruzeiro do Sul é a palavra do dia em Pucalpa e no Ucayalli. Os ucaialinos também lutam para sair do isolamento e falta pouco para concluir o asfaltamento da estrada para Tingo maria, de onde se pode chegar até Lima, há pouco mais de 800 km de Pucalpa. A estrada, ainda que nao esteja concluida, é transitable o ano todo, embora se possa gastar mais de 10 horas para percorre um trecho de apenas 250 km. Foi iniciado um estudo topografico para a abertura até a fronteira, mas o prometo foi postergado, pois depende de muitas conversaçoes com o Brasil e eles, assim, como nós, ainda precisam concluir a sua carreteira interna.



Fotos: Torre do Relógio em Pucallpa trás detalhes em "kenê" indígena. Na segunda, detalhe de uma cura com ayahuasca, parte da cultura regional ucayalina.

Em Direção à Selva Central II: Junin à Tingo Maria

Deixei cedo a cidade de La Oroya e cruzei uma das regioes mais frias desta viagem. O frio estava de congelar e nao havia luva, jaqueta ou cachequol que diminuisse a sensaçao de frio. Passei por uma altitude de 4.100 metros aproximadamente, muito plana e por isso mesmo, desabrigada do vento e do frio. Cheguei a uma cidade chamada Junin, onde em 1824 ocorreu a Batalha historica em que Simom Bolivar derrotou as forças españolas.

Mais em frente parei em uma pequena cidade que cultiva e cultua, por assim dizer, a “maca”, uma raiz produzida nas altitudes andinas que tem propriedades energéticas e revigorantes. Um extrato quente de “maca” e um caldo d ecordeiro me deram forças para continuar a viagem naquele frio.

Bem, um detalhe cumpre mencionar. Em um pedágio (“peaje”), saindo de La Oroya, um policial depois de revisar todos meus documentos tentou inventar um outro tal de “seguro obrigatorio”, sem a qual, segundo ele nao poderia dirigir. Expliquei-lhe calmamente que havia me informado no consulado e na Polícia Nacional e que estava com todos os documentos necesarios. Ele chegou a ter a cara de pau de dizer que a Polícia Nacional em Puerto Maldonado era uma e em Junin, era outra. Qunado fiocaram claras suas intensoes tive que dar minha primeira caretirada no Peru. “Soy periodista en Brasil”, e pronto, passe de mágica me deixou passar.
Mas quero deixar claro uma coisa, fui parado mais de 10 vezes no Peru, em todas, os policiais foram solicitos e após examinar os documentos, me deixaram passar tranquilamente. Esta foi a única vez desafortunada, e se a excessao confirma a regra, posso afirmar que um único caso em dez, nao justifica a má fama da polícia peruana. Na maior parte do tempo, foram aliados imprencidíveis desta viagem, dando informacoes e segurança nos trechos mais dificeis.

Depois de passar por Cerro Pasco, a carretrea central volta a baixar novamente, passando por Huánuco e depois descendo ainda mais, já revelando novamente a paisagem amazônica. As montanhas vao se desdobranno a nossa frente, paredoes cobertos de exótica vegetacao vao abrindo-se cada vez mais, descortinando a Floresta Amazonica.

Combate às drogas

Chego na vibrante cidade de Tingo Maria, já no inicio da Floresta Amazônica. Balneários, gente de motocicleta calçoes, bermudas e óculos escuros, parece até que estao indo para o igarapé preto! Nas ruas há varias referencias ao combate às drogas, uma regiao que há bem pouco tempo sentia a influencia do narcotrafico. Há batalhoes d epolicia, carros blindados, mas o clima é de tranquilidades. No mercado, aquela quase infinita variedade de frutas e verduras que se encontra por todo Peru. Na secçao de plantas medicinais, um velho comerciante passeia tranquilamente entre os fregueses e a policia nacional. Em sua camiseta os dizeres que vi por todo Peru e que ecoam nos Andes como uma verdade histórica de um povo a espera de Justiça : “La Hoja de Coca nos és Droga”!

Em Direção à Selva Central: La Oroya


Um dos maiores incovenientes de viajar no Peru é que os Andes praticamente nao permitem cortes transversais. Assim sendo, para sair da Selva de Puerto Maldonado para chegar na Selva de Ucayali, obrigatoriamente tem que se cruzar os Andes duas vezes. Ir ate Lima, no Oceano Pacifico e a partir dai entrar novamente nos Andes, num outro ponto, que aquí chamam de carreterera central. A imensa regiao entre Lima e Pucalpa, distantes por mais de 780 kilometros, denomina-se “Selva Central”.
Que Miraflores que nada!
Em Lima encarei o transito mais caótico de toda mina vida, e olha que Sao Paulo nao é brincadeira.
Depois de tantos alertas e historias reais de gente que foi assaltada em Lima, acehie que nao valia a pena tentar uma passada pela tradicional “Miraflores”. Melhor nao arriscar, vai que me levam tudo e eu fico a “Vernavios”!
Por isso, dirigi sem parar em Lima, por mais de 30 Km, ate chegar numa cidade mais hospitaleira chamada Chosica (há 800 metros do nivel do mar), ao que parece uma espécie de cidade utilizada pelos limeños para sair do caos da sua superpovoada capital (15 milhoes de habitantes).
Degelo
Depois de almocar um rápido Cebiche, segui adiante subindo em zig-zag, mas em um gradiente nao tao ingreme quanto o da transoceánica. A mais de 4 mil metros de altitude, me surpreendi com o aspecto do local, terra nua, vermelha, descoberta e sem vegetacao. Achei estranho aquel aterra toda sem vegetacao e mais alguns quilometros a frente descobri se tratar do degelo andino. Ou seja, aquel aterra toda há pouco estaba coberta de gelo, gelo que agora se transforma em chuva e umidade que vai nutrir a Floresta Amazonica.

Quase congelando, sem sentir a ponta dos dedos das maos e dos pes, passei pelo ponto mais alto da viagem 4.818 metros de altitude, em Ticlio. Mais abaixo, parei para pegar umas imagens e quase nao consigo mover as maos. Um grupo de mineradores parou para perguntar o que estaba fazendo e descobri que mina boca tambem nao respondia aos movimentos, tamaho o frio.
La Oroya
Entramos em uma regiao mineradora, onde se espera de tudo, menos turismo. Chegamos a La Oroya, que segundo os peruanos é a capital da mineracao na America do Sul. Uma antiga linha férrea ainda em uso, e casas antigas atestam que a mineracao já é praticada a algum tempo na regiao. Paredes pichadas com recentes convocacoes de greve, demonstram que estamos em um Peru marcado pela dura realidade de uma populacao que vive para produzir minerios que serao exportados para países distantes como China e Japao.
Paro para tomar um “chocolate quente” e a gentil senhora me diz que La Oroya é chamada de “París dos Andes”. Pergunto porque e ela me diz que é pelas luzes que dao um aspecto interesante a cidade a noite. De fato, apesar de pequeña, a movimentacao é intensa: barracas e restaurantes servem algo “caliente” para o frio, divindindo o espaco com casas mal iluminadas que vivem do lucrativo negocio da diversao para adultos.

As contradições de um país à margem do Pacífico

Ao sair de Cuzco em direcao a Nazca, saimos tambem da transoceanica, que nos levaria 600 km mais distantes ao sul, e portanto, muito longe do trajeto de volta para o Juruá. Entramos entao na Rodovia Panamericana que segue em direcao aos Portos de Marcona, e a Capital deste imenso país, Lima.
É incrivel como se pode ter uma impressao erronea, superficial sobre um pais quando se conhece somente uma parte dele. Assim é o Brasil, e assim é também o Peru. Assim que saimos de Nazca e nos aproximamos cada vez mais do litoral do Oceano Pacífico, vamos vendo um país diferente surgir diante de nossos olhos. O Peru historico, que vive de seu passado glorioso já praticamente nao existe mais. No lugar dele, uma nacao moderna, capitalista e sobretudo,desigual.

O Milagre do Guano e a desigualdade

Algo impressionante é o chamado "milagre do Guano", o esterco das aves marinhas deixado sobre as ilhas do litoral, deixam um material riquissmo que é aproveitado para om plantio de milho, algodao e frutas das mais diversas desde morango, uva e pessego até frutas que eu e voce nunca ouvimos falar antes como a granadilla e o "pepino" uma fruta dulcíssima que nada tem a ver com o pepino que conhecemos (que aqui eles chamam de pepinillo). Sao dezenas de "oasis" nesta faixa de terra desértica do litoral pacifico.

Também desaparecem as referencias ao passado glorios dos Incas, muito embora, também existam por aqui vestigios da passagem de povos antigos, que utilizavam tecnicas parecidas para prover o sustento de seus povos no deserto.
Existem também macro-emprendimentos para exportacao de minerios para China e Japao e as ruas caoticas de cidades como Cañete celebram a modernidade com luzes, barulho e comercio.
As quitandas estao espalhadas por toda parte, uma oferta incrivel de produtos do mar, da selva e das montanhas, também aparecem aqui as primeiras favelas e pela primeira vez, em mais de 2 mil e 400 quilometros rodados, vi criancas pedindo esmolas nas ruas.

Pacífico

Um mar frio e de praia pedregulhosa realmente nao parece muito convidativo, e os habitantes daqui praticamente o ignoram. As casas sao feitas de costas para o mar, e as atividades estao mais ligadas a agricultura do que a pesca e lazer, como seria de se esperar em uma cidade litoranea.
Ainda assim, assiti ao por-do-sol sobre o mar, algo impossivel no Brasil, uma vez que o Atlantico está à leste. Sempre um espetáculo grandioso que preenche nossa insignificancia da vastidao do Céu e do Mar.

Nazca: Mistério que desafia a ciência









Depois da viagem de Pisac, tomei a carretera em direção a Abancay, aonde quase fico preso em meio a un "paro". A manifestação, não foi pacífica houve confrontos com a polícia. Os manifestantes exigiam a renúncia do presidente da provincia, por ter desviado recursos destinados à população. Com um dia de viagem, não mais pela transocêniac mas agora pela rodovia panamericana cheguei ao final da tarde, em Nazca.





Mistério, bom humor e uma cutucadinha nos governantes

Muita gente já deve ter ao menos ouvido falar do célebre “Eram os Deuses Astronautas”, um verdadeiro clássico dos anos 60. Neste livro, seu autor Erick Von Daniken, apresenta argumentos de que a Terra já era visitada por extraterrestres desde os tempos mais remotos.

Bem, de todos os argumentos usados pelo escritor, o mais convincente sem dúvida sao as famosas
“Linhas de Nazca”. Elas foram “descobertas” por assim dizer, no deserto entre os Andes e a costa do Pacífico, na regiao onde entre os anos 400 AC e 600 DC floresceu a cultura Nazca (pré-incaica).

Seu primeiro descubridor Paul Kosok chegou a sugerir que seriam sistemas de irrigacão, teoria que foi logo rejeitada pelo seu proprio autor. A pesquisadora alemã, naturalizada peruana, Marie Reich, foi quem dedicou sua vida toda em estudar os geoglifos de Nazca. Marie Reich sugeriu que as linhas fossem parte de um complexo sistema de calendario e também provou a existência de desenhos semelhantes na cerâmica nazqueña. A pesquisadora também encontrou uma serie de evidencias de que os Nazca, possuiam vastos conhecimentos astronomicos e que podem ter de fato se orientado pelos astros para desenhar as figuras. Próximo do local das linhas existe um museu em sua homenagem.

O mais intrigante disso tudo, é porque uma civilizacao de agricultores faria desenhos tao complexos que somente podem ser vistos do céu?

Repostas, por enquanto somente no campo da especulacao. O fato é que os Nazca fizeram os desenhos para que sejam vistos do alto, fossem eles deuses ou astronautas.

Oásis
Impresionante também é como os antigos Nazca, consegiram cultivar oasis no deserto. A própria cidade de Nazca encontra-se em um vale verdejante em meio ao deserto. Uvas, mangas e cereais sao cultivados aquí. A água, um presente dos antigos nazca que deixaram aquedutos subterrâneos que servem até os dias de hoje. Normalmente quando se pensa em Peru, logo asociamos a Machu Picchu e os Incas, mas houveram uma sequência de outras grandes civilizaçoes que os precederam. Os Nazca foram um destes povos, que a pesar de “primitivos” obtiveram grande evoluçao no dominio da agricultura, engenharia, arquitetura e astronomia. Isto sem mencionar a administracão publica. Afinal com eles, nao havia fome no deserto, algo que infelizmente nao podemos dizer de nossa farta regiao.

Escavações Urbanas

No entanto, a grande descoberta em Nazca é encontra comida e hospedagem barata. É uma cidade cara, mesmo em relacao a Cuzco, e a populacao nem sempre encara com bom humor a chegada de turistas do mundo inteiro querendo ser “abduzidos”.
Ainda assim, depois de umas tres horas de “escavaçoes”, encontrei uma boa hospedagem por apenas 10 soles, com banheiro compartido, banho quente e cozinha além de um terraço de onde se pode admirar as estrelas (o ar seco de Nazca e o tipo de terreno permite uma boa visualizaçao de todo céu noturno).

Nazca está localizada a cerca de 500 km de Cuzco e cerca de 420 km de Lima.


OBS: As fotos desta postagem foram retiradas da Internet.

A Ayahuasca no Tawantinsuyo



Entre as religioes ayahuasqueiras do Brasil sao muitas as expeculacoes sobre como poderia ter sido o uso da ayahuasca durante o Império dos Antigos Incas, que em seu tempo foi chamado de Tawantinsuyu, termo que significa "Império das 4 Direções."
Durante a minha primeira visita a Cuzco e Machu Pichu em 1999, questionei sobre esta possibilidade, e a resposta foi de que os Incas nao deveriam utilizuar a ayahuasca simplesmente porque ela nao existe nos Andes.

No entanto, durante esta viagem, com a possibilidade de andar mais, investigar mais e conhecer um pouco mais sobre o uso atual da ayahuasca nos Andes, recebi novas informaçoes que lançaram uma luz sobre este assunto.

O primeiro é que sendo o Tawantinsuyu composto de 4 regiões (Chinchaysuyo, Contisuyo, Collasuyo, Antisuyo), o uso da ayahuasca já era milenar, e portanto anterior aos próprios Incas, no chamado Antinsuyu, extremo ocidental da regiao amazonica. É mais do que provável que os povos que vivem hoje no atual Estado do Acre devem ter tido algum tipo de contato com o Império Inca. O fato é que uso da ayahuasca já exitia antes do Incas nesta grande regiao e continua até hoje. Nós, acreanos, bem como nossos vizinhos peruanos de Madre de Dios e Ucayally compartilhamos a "pátria" da Ayahuasca- o Antisuyu.

Segundo ponto: é fato também que nem o cipó, e muito menos a “chacronita” se adaptam ao clima frio e seco da regiao de Cuzco, umbigo do Império das 4 direçoes e portanto, capital dos Incas. Apesar disso grande parte do sucesso do Império Inca deve-se a sua grande capacidade de comunicar pessoas e mercadorias por milhares de quilometros, levando produtos exóticos de uma parte a outra deste grande império. Sao muitas as estradas construídas para ligar selva, andes, desetro e litoral em um império que se estendia da Colômbia ao norte do Chile. Portanto é mais do que provável que a Ayahuasca tenha sido utilizada, nao pelo conjunto da populaçao andina, mas por uma elite sacerdotal que tinha acesso a bebida. Uma prova que atesta isto é o próprio nome "ayahuasca", palavra de origem quétchua normalmente traduzida como "cipós dos espíritos"*.

Chacana

A segunda expeculaçao é sobre como poderiam ter sido estes rituais. Neste ponto, ainda que nos seja impossível saber detalhes, uma coisa é certa: seu uso estava contextualizado dentro do que hoje se conhece como “cosmovisao andina”. E muito embora, o uso da ayahuasca tenha desaparecido nos Andes como resultado de 500 anos de perseguiçao religiosa, a cosmovisao andina permanece viva até hoje. Trata-se de um modo particular de ver e compreender o universo. Uma forma que sintetiza esta visao é a “Chacana” ou "Cruz Andina".
A Chacana é a resultante de dois conceitos. O primeiro é a divisao do Universo em tres mundos: o mundo subteraneo, o mundo médio, em que vivemos, e o mundo superior. O segundo conceito é o o mesmo do Tawantinsuyu, ou seja, as quatro direçoes.
Com três degraus para cada uma das quatro direçoes a chacana forma um desenho de 12 degraus, que sobem e descem e podem ter simbolizado de maneira simples, as quatro estaçoes, os doze meses do ano, os ciclos da natureza, as etapas de evolucao do homem, e etc.

O Criador e os Apus

Apesar de terem sido chamados de politeístas, panteístas e idólatras, esta na verdade é apenas uma visao superficial do que poderia ter sido a religiao incaica. É verdade que os Incas, bem como seus antecessores, viam na natureza, reflexos do divino. No entanto, hoje, embora existam visoes diferentes, há uma concordância de que os Incas acreditavam em um único principio criador universal, além do universo visível. Este princípio, segundo algumas versoes seria Wiracocha, palavra que em quétchua significa aproximadamente “lago de luz”. A partir de Wiracocha, principio unico e indivisível teriam surgido Tempo e Espaco representados respectivamente como Pachacamac e Pachamama e a partir destes, surgiram entao os desemembramentos seguintes dando origem ao movimento e aos diferentes universos dimensionais, inclusive a Terra. Para eles nao havia o conceito de paraíso perdido, e a Terra bem como toda a própria realidade eram parte inseparáveis do principio universal criador, devendo por isso serem objeto de louvor. Neste sentido surgem os Apus, forças da natureza divinizadas cujo culto eram parte do grande culto à natureza e à realidade que prestavam os antigos Incas.

A Ayahuasca hoje

O uso da ayahusca volta a surgir nos Andes, impulsionado por pessoas visionárias que buscam restaurar nao apenas o uso da bebida, mas o proprio Tawantinsuyu. Desta vez com um conceito ampliado, ou seja, um espaço de respeito, paz, prosperidade e liberdade na America do Sul.
Em Pisac, Vale Sagrado dos Incas, tive a oportunidade de participar de dois rituais com a ayahuasca, e nos dois estavam totalmente presentes os elementos da “cosmovisao andina”, ou seja, de uma maneira de pensar, sentir, ser e viver, que remonta a mais de 5 mil anos atrás, fruto da interaçao entre povos que atingiram um surpreendente grau de evoluçao em suas sociedades. De certa forma, o uso da ayahuasca nos Andes também ajuda a reestabelecer a ligaçao entre o antigo "umbigo" do império, com as regioes selváticas do "Antisuyu".

Este ensaio é uma pequena resposta às algumas indagaçoes das quais parti em busca de respostas. O assunto é longo, extenso, complexo, inesgotável, e principalmente, apaixonante.

OBS: "Chacana" é também como o povo desta regiao chama até hoje a constelacão do Cruzeiro do Sul.

Bibliografia consultada: Tawantinsuyu 5.0 – Alonso Del Rio

* Em uma análise mais recente da língua quetchua, descobri que Aya, refere-se muito mais ao corpo de uma pessoa morta do que ao seu espírito, para qual têm outra palavra. Está totalmente de acordo com a história que contam as tradições selváticas de que o cipós teria se originado da sepultura de um antigo rei.

Machu Pichu: Cidadela dos Incas é uma das Maravilhas do Mundo



Conhecer Machu Picchu é quase que obrigatorio para quem vem ao Peru. Ainda que existam outras dezenas de sitios arqueologicos espalhados pelo Vale Sagrado do rio Vilcanota(principal formador do Amaznoas), e também pela Selva, litoral, desertos e mesmo nas periferias de Cuzco, Machu Picchu é o destino mais procurado por turistas do mundo todo.
Por esta mesma razao, visitar machu Picchu tem se tornado também um paseio bastante caro, ainda que toda beleza e misterio que envolvem a antiga cidadela, paguem o preço.
A simples entrada no sítio de Machu Picchu custa 124 soles ao tursita estrangeiros e aí, nao adiante dizer que é brasileiro, pois de sueco a argentino, todos pagam o mesmo preço.
Em 1999 visitei Machu Picchu caminhando por 3 dias pela Trilha Inca, com certeza, a melhor maneira de se chegar lá, até por que a antiga trilha utilizadas pelos incas para sairem de Cuzco servia como uma trilha sagrada, de purificaçao, como é por exemplo, o Caminho de Santiago.
Na época gastei algo em torno de 125 soles, para fazer a viagem , com comida, barraca e guia, além d etransporte para voltar, tudo incluso. Hoje, este mesmo percurso esta custando algo em torno de 200 a 300 dólares e é necesario fazer a reserva com uns seis meses de antecedência. A opçao do trem é a mais confortavel mas também a mais cara, chega a custar 49 dolares, pagos para uma empresa que nem sequer peruana é.

Em Duas Rodas



De motocicleta contudo é possivel se fazer uma viagem belìssima, pasando por todo Vale sagrado do rio Vilcanota, entre Pisac até Ollantaytambo, cidade erigida no tempo dos incas e que é uma beleza, com toda infraestrutura para recebimento de turistas, desde internet até o aluguel de bicicletas. A partir de Ollantaitambo, sobe-se até 4.300 metros de altura aonde existe uma reserva natural chamada “Abra Málaga”, com espécies animais e vegetais típicas da altitude.
A partir daí começa-se a descer novamente e a paisagem seca e fria do vale sagrado, vai dando lugar a uma floretsa serrana, muito bonita, cheia de flores. Passamos por uma regiao produtora de café, chá, frutas e coca (para consumo tradicional). Chega-se entao ao municipio de Santa Tereza, que a pesar do tamanho está bem equipada para receber turistas. De Santa Tereza é possivel visitar os banhos termais de Cocalmayo, onde nos surpreende um elegante “resort” em meio à serra.


A pé


Depois de um merecido descanso, vem a parte mais dificil. Esta na verdade é a rota alternativa para quem quer chegar a Machu Picchu gastando o mínimo possível. Com apenas dois soles uma Van nos leva até a Hidroelètrica de Machu Picchu. De lá caminhamos em linha reta por cerca de duas horas e meia acompanhando a linha do trem . A paisagem é bem bonita e vale o passeio, mas tem que estar preparado. Após este trajeto, umas plaquinhas nos convidam a subir em zig-zag, escalando a montanha de Machu Picchu. O caminho é seguro, mas é necessário boa disposiçao física e se possivel, sempre ter umas folhas de coca à mao. Em que pese todo o preconcenito gerado em torno desta planta, ela é a melhor companhia nos Andes, ajuda a manter a dispiscao e regula o metabolismo para a altitude.
A subida é bastante ingreme e é absolutamente necessário cooordenar as passadas com a respiraçao, para nao ficar sem ar.
Os peruanos costumam brincar com os turistas dizendo que estes depois de muita dificuldade escalarem uma montanha, se deparam com nativos vendendo souvenirs. Isto refelte muito da realidade. Qunado cheguei no alto saindo de 1.700 metros de altitude para 2.400, com a lingua para fora e o coraçao quase saindo do peito, encontrei uma estrtura de primeiro mundo com um restaurante luxuoso e um hotel para poucos (cerca de 750 a 1.200 dolares a diária), todo tipo de souvenirs e serviços, obviamente bem caros. Lá, uma guia ofereceu seus serviços por 100 soles, e depois de chorar muito, alegando ser brasileiro, etc e etc, consegui deixar por 60 soles, mas é posivel se reduzir mais ainda caso esteja em grupos.
De certa forma, há um verdadeiro choque: percebe-se claramemnte que estamos em um lugar sagrado, onde os Incas, seus sacerdores, professores, artesaos viviam em constante louvor à natureza. Por outro lado, é inevitável a sensaçao de que tentam tirar até o nosso último centavo. Ainda assim, digo com todas as letras: vale a pena.



Sol, Lua e Estrelas




Primeiro nos deparemos com uma civilizaçao construidas por “índios” que tinham agua encanada e esgoto, coisa que muitos de nos até hoje nao temos. As construçoes obedecem rigorosamente aos movimentos aparentes do Sol, da Lua e das Estrelas. As construçoes principais sao um mixto de observatorio astronomico e altar de devoçao. Por isso, tenho a sensaçao de que entre os Incas, ciencia e religiao nao eram coisas separadas, mas muito unidas. Existia uma classe de sacerdores, mas também de mestres, professores. Suas casas ainda estao lá, como um testemunho da vida que levavam. Os Incas também construiram terraços com as quais conseguiam produzir desde o tradicional e insdipensavel milho, até frutas tropicais como maracujá e graviola entre outras.
Bem, há coisas que é impossivel de dizer em palavras e mesmo as imagens distantes da fotografia nao sao capazes de traduzir a intensidade que é se deparar com uma civilizaçao tao avançada anterior à chegada dos europeus no continente.
Sndei pelos seus labirintos de pedra, e compartilhei da devoçao dos antigos Incas, pelo Sol, a Lua, as Estrelas, as Águas, a Terra, o Tempo. Como eles pedi a bençao aos “Apus” senhores das Montanhas que sempre nos olham, para a viagem de regresso. No centro do templo “Intiwatana” (observatório do Sol), olhei com um certa dose de nostalgia olhei para a pedra que simboliza o Cruzeiro do Sul.


Fotos: 1-Trem da empresa anglo-chilena que explora comercialmente o caminho férreo até Machu Pichu. 2- Visão da "Llaqta" (cidadela). 3 - Intiwatana ou "janelas do sol". 4 - Representação da "Chacana" ou constelação do Cruzeiro do Sul em Machu Pichu.

Descobrindo Cuzco




Chegar em Cuzco foi com certeza um dos melhores momentos de minha vida. Na Praça de Armas, pessoas elegantes passeavam entre as flores e monumentos. Em frente a Catedral, músicos e dançarinos executavam uma pequena festa tradicional.
A cidade possui uma excelente infra-estrutura para recebimento de turistas, desde hotéis e restaurantes para diferentes preços e gostos, a guias que conhecem a cidade como a palma de suas mãos. Engana-se quem ainda pensa que Cuzco é uma cidade para mochileiros. Cuzco é na verdade uma cidade muito sofisticada, onde se encontra a cultura incaica com o melhor da cultura ibérica. Encanta o charme de seus prédios com balcões ricamente esculpidos em estilo moçárabe. Há restaurantes finos e caros, para de diferentes gostos e estilos.
É verdade que o acesso de turistas do mundo com seus dólares e euros, inflacionou os preços em Cuzco que é bem mais cara que em outras partes do pais. Ainda assim, é possível fazer turismo gastando menos do que em certas partes do Brasil.
Fiquei em um hotel razoável por 45 soles (1 real= 1.50 soles). Quarto bom, com banheiro, pátio interno e internet. Os pratos custam a partir de 10 soles até 60 soles ou mais.
No entanto, para quem quer gastar menos e possível se hospedar e comer bem fora do Centro Histórico, monde pulsa uma cidade movimentada e barulhenta. Lá pode-se comer bem com apenas 3 soles. O mesmo vale para compra de artesanato ou roupas de frio, o que quase sempre é necessário. Há roupas maravilhosas feitas de lã de lhama e alpaca. Coisa de primeiro mundo. Também há capas de frio que no Centro Histórico chegam a custar 600 soles e que encontre no Centro Comercial “El Molino” por 70 soles.
Os passeis obrigatórios pela cidade incluem a visita as suas incontáveis igrejas, capelas e conventos, de uma arquitetura belíssima. No entanto, a descoberta maior são as construções incaicas e pré-incaicas que fazem de Cuzco um verdadeiro sitio arqueológico a céu aberto. A maioria das igrejas e construções coloniais foi erguida em cima das paredes incas, que possuem uma tecnologia que minimiza os efeitos dos abalos sísmicos que assolam a cidade há milênios.
Um destes sítios é a antiga residência oficial de Inca Roca. Embora parte dela tenha sido destruída pelos espanhóis, o paredão está bem preservado e resistiu melhor aos terremotos que algumas construções espanholas. Lá é possível observar a famosa “pedra dos 12 ängulos” que sustenta todo o restante da construção e nos da um pouca da visão da tecnologia dos antigos incas. Há a imagem um Puma e de uma Serpente escondida entre as pedras, dois dos animais totêmicos dos antigos incas. Infelizmente o terceiro, o Condor, acima dos demais, foi destruído pelos espanhóis como forma de demonstrar sua superioridade.
Outro sitio arqueológico dentro da cidade é o “Qoricancha”, base em que foi erguida a Igreja de São Domingos. Parte das construções subterrâneas estão visíveis e nos dão uma idéia da magnificiëncia dos antigos incas e da estupidez disfarçada em fé dos antigos espanhóis. A diferença de qualidade entre as construções incaicas e espanholas é tão gritante que uma frase comum a que ouvi muito em Cuzco quando se aponta uma construção inca se diz: “esta foi feita pelos incas” e ao apontar para as espanholas: “esta pelos incapazes”.
São inúmeros os museus por toda a cidade, o que torna impossível conhecë-los em um único dia.
Andando nas ruas acima da catedral há a “Plazoleta de San Braz”.
Em volta dele, há uma pequeno bairro de ruas estreitas, e onde existem diversos atelieres e galerias de arte. E possível admirar a obra em pintura de artistas barrocos e também pinturas e escultura em pedra e madeira de inspiração incaica.

Cuzco Além do Turismo

Apesar de muitas vezes se pensar que muito do que se agrega da cultura incaica seja na verdade um componente turístico, a verdade é que muito desta cultura permanece viva mesmo em vilarejos onde quase não há o acesso de turistas. Seja na língua quéchua falada fluentemente nas ruas, seja nas vestes tradicionais que caracterizam os habitantes de cada comunidade, ou ainda na sua rica culinária, a referëncia passado incaico é bem mais do que algo “para inglês ver”.
Pelo contrario, ao sair do Centro Histórico há inúmeros monumentos, praças e magníficos painéis modernos que se referem a gloria dos antigos incas e ao fundador da cidade, o Inca Manco Cápac.
Também são fartos os monumentos aos heróis da “Inconfidência Cuzqueña” que liderados por Tupac Amaru, tentaram a independëncia do Peru por volta de 1780.
Mesmo na política atual, a gloria e o exemplo deixado pelos incas tem uma forte influencia em todo Peru , especialmente em Cuzco. Os mais jovens, ainda que usem calcas jeans, sejam aficionados em internet e dancem ao som de musica tecno, não perdem a referencia de seus ancestrais, povo que há cerca de mil anos criou um império que se estendia da Colômbia ao norte do Chile, que tinha engenheiros, médicos, escolas, correio, sistema de abastecimento de água, irrigação e esgoto e que conseguiu praticamente eliminar o problema da fome e da miséria em um dos locais mais inóspitos do mundo. Uma lição que com certeza não pode passar despercebida pelos nossos governantes de hoje.




Fotos: 1- Varandas de Inspiração Ibérica. 2- Cuzqueñas na porta da Igreja de S. Domingo. 3 - Detalhe mostrandoi que a Igreja de S. Domingo foi construída em cima do templo Inca "Qoroicancha", feito séculos antes, com muito mais perfeição. 4- Um dos muitos mercados de artesanato 5- Painel Moderno contando a história de Cuzco e do Império Inca

4.725 Metros ao Nível do Mar - "Hasta Cuzco"

Assim que sai de Marcapata iniciei uma nova subida, desta vez ainda mais íngreme. No entanto, após 5 km o asfalto surge novamente e a estrada, em que pese a altitude, é segura. Apesar disso, a moto mal conseguia ultrapassar os 20 km/h e em alguns momentos tive que zigzaguear na pista para que ela nao morresse de todo. Alguns quilometros adiante tive a visão do nevado Auzangate o maior da regiao com mais de 6.300 metros de altitude.
A carretera, no entanto tem o seu ponto culminante a 4.725 metros de altura, de onde entao comeca a decida novamente. Neste momnento revela-se uma paisagem totalmente diferente, mais seca, com muitas casas feitas de adobe (tijolos feitos barro e palha), mas também muito acolhedora, com suas lhamas e alpacas pastando nos campos próximo a estrada. Depois de descer a cerca de 3 mil metros de altiutudes cruzamos o rio Vilcanota, que mais na frente ganha volume de águas e passa a se chamar Urubamaba que é um dos principais formadores do Amazonas.
Depois voltamos a subir novamente até os 4.125 metros e descemos de novo desta vez até cruzar o rio Ocongate. A partir daí já estamos bem proximos de Cuzco. Passamos ainda pela cidade de Urcois, com sua praca e mercado movimentados, turistas do mundo inteiro e ônibus que oferecem transporte para Cuzco. A partir daí inicia-se uma suave descida até Cuzco passando por diversos pequenos municipios. Após atravessar-se uma área urbana caótica e barulhenta, chegamos finalmente ao Centro Histórico de Cuzco, e a partir daí tem-se a impressao de se estar em um novo universo: Ruas limpas, predios historicos bem cuidados do tempo colonial, e sitios arqueologicos pré-colombianos no meio da cidade. Nas ruas de Cuzco passeiam gente de todo mundo, europeus, principalmente, mas também muitos latino americanos e os próprios cuzqueños que adoram aproveitar a beleza da sua mundialmente famosa “Plaza D'Armas”.

Da Selva aos Andes parte 2: Marcapata


Entre as pedras e as águas
A cada curva em torno dos paredões de pedra, as transformações na paisagem vão ficando cada vez mais evidentes. Vão desaparecendo as arvores grandes, e surge uma vegetação rasteira, musgos e liquens que cobrem as rochas, embora nos pés das montanhas ainda seja possível identificar espécies típicas da Amazônia como embaúbas e cana-brava.

Em certa altura, a vegetação praticamente desaparece, para reaparecer novamente mais adiante. Mas há um trecho que a viagem é puramente no “reino mineral”, entre rochas nuas de diferentes tonalidades. No meio, uma corredeira cada vez mais forte. Neste trecho da viagem deparei-me com uma das principais preocupações com relação a viagem. Tive de atravessar por diversas vezes trechos por dentro d´água. As vezes não é possível determinar com exatidão a fundura do rio, e também existe a possibilidade de se bater e um pedra. As primeiras travessias foram tranqüilas e a água não chegou a ameaçar o motor da motocicleta. A água, tão pura e cristalina, muito convidativa para um banho, quando ainda faz calor. Em um destes não resisti e cai no banho, como havia visto diversos caminhoneiros fazendo trechos atrás. Uma das coisas que torna a viagem especialmente atrativa é que existem diversos pontos, onde se é possível parar, admirar a paisagem, descansar, enfim, aproveitar ao maximo. Uma impressão do Peru de minha primeira viagem em 1999 ao Peru que se confirmou agora: diferentemente do Brasil, não há cercas separando os terrenos e muita terra na verdade parece ser estatal ou comunal o que permite-se andar livremente por grandes áreas. No Brasil, há cerca até no meio do Pantanal.

Bem, depois de passar por algumas corredeiras inofensivas, a brincadeira foi ficando mais seria, e comecei a cruzar trechos de maior profundidade. Em um deles a coisa ficou tão funda que a moto morreu no meio de uma corredeira capaz de empurrar a moto longe. De pronto, pulei da moto e a empurrei ate o outro lado da margem. Felizmente ela ligou rápido e expulsou a água do carburador.

Apu

Em uma certa altitude, parei para urinar. De repente, me vi constrangido diante da enorme presença que se erguia a minha frente. Uma das mais espetaculares montanhas que já havia visto. Ao meu redor, estava cercado por elas: imponentes, majestosas. Percebi que estava entrando em um reino diferente. Sem saber como ou porque saquei de minha mochila, um pequeno saquinho com folhas de coca. Guiado por algum tipo de inspiração ou forca divina, chame como quiser, ergui as folhas acima de minha cabeça pedi a proteção daqueles senhores e lembre-me de seu nome em quéchua: Apu. Os Apu no que pude entender são aspectos divinos da natureza presente na forca dos elementos.
O fato é passei pelas altitudes com uma boa dose de segurança e tranqüilidade. Não sofri nenhum dos efeitos da altura como desmaios, tonturas ou enjôos. No entanto, soube também nesta hora que para ter a sua proteção é preciso respeitar a montanha. Despir-se da arrogância de quem acha que vai “vencer” a montanha. Ninguém vence a montanha. Nossos filhos e netos já terão partido deste mundo e a montanha ainda estará lá.

Cruzando os Andes em um barbeador elétrico

O mesmo não pode ser dito de minha motocicleta, embora valente ela começou a sofrer os efeitos da altitude por volta dos 2 mil metros, quando começaram as primeiras falhas. Por volta de 3 mil, o motor parecia a de uma enceradeira e a 4 mil, um barbeador elétrico. E neste trecho ficam as piores subidas, o que exige ainda mais da motocicleta. Ultrapassar é totalmente impossível, e ela não chega a 20 km por hora. Cruzei com motoristas de caminhão, de carro e motociclistas e todos me dizem o mesmo: “Es normal,pero se llega, despacio”. Ou seja, não havia muito o que fazer, somente ter paciência para ir devagarinho ate chegar lá.

Déjà Vu em Marcapata

Eram cerca de 4 horas da tarde quando cheguei ao vilarejo de Marcapata, há quase 4 mil metros de altura. Já estava dirigindo há 13 horas portanto, e o normal era que estivesse muito cansado. Mas o que provocou meu maior cansaço não foi o frio, que a esta altura já era bem forte, nem as rajadas de vento, nem a chuva fina e fria que molhava me corpo e sim, a fraqueza da motocicleta. Acho que resolvi parar mais em respeito a ela do que a mim mesmo, que ainda encontrava-me disposto a seguir viagem.

No vilarejo, fui tomado por uma sensação fora do comum. Primeiro parecia que as pessoas já me esperavam, o que é deveras estranho para um lugar onde não há fluxo de turistas. Antes de procurar hospedagem para mim, procurei para a moto, afinal ela merecia descansar sob uma garagem, depois de todo seu heroísmo.

Depois de guarda-la sob o conforto de um teto, procurei um teto para mim mesmo cheguei a uma casa, onde a dona hospeda principalmente trabalhadores da Transoceânica. Os quartos são coletivos, mas peguei um quarto sozinho. O local quente e aconchegante, alem de limpo, embora estivesse faltando água.

Depois de tirar a roupa úmida, desci de meus aposentos para uma copa, onde se servia a janta. O Clima era de uma taverna de tempos antigos, as pessoas eram fregueses, ais ao mesmo tempo, amigos dos donos. Todos tratavam-se como conhecidos enquanto aguardavam sua sopa quente. A experiência de chegar a Marcapata daquele jeito foi riquíssima, por que tive a oportunidade de participar da intimidade do cotidiano da comunidade. Sem prepara para o recebimento de turistas, tudo que tinham a oferecer era sua hospitalidade. Sentei-me em uma mesa em que estavam dois trabalhadores da transoceânica, um de Lima e outro de Cuzco, e pude perceber a diferença marcante de personalidade. Enquanto o limenho era brincalhão e falador, o cuzqueño era mais reservado, mas de uma gentileza e generosidade sem par. Na mesma mesa ainda estavam um jovem medico que trabalhava no posto de saúde da comunidade, e uma jovem local, perto dos 25 anos, de família de agricultores.

Todos conversavam animadamente e minha presença parece que os animou ainda mais. Em diversas vezes, ali, como em todo Peru, referiam-se ao Brasil como “O Pais más grande del mundo”. Enquanto explicavam-me como são as formações das cordilheiras, suas passagens ou “passos”, tive uma sensação muito interessante: tive a nítida impressão que já havia vivido aquela exata situação antes, o mesmo lugar, as mesmas pessoas, a mesma conversa e os mesmos pensamentos, inclusive. Para mim, foi como se eu estivesse vivendo uma situação já antes profetizada em sonhos. A sensação é conhecida e tem ate um nome próprio “Deja Vu”. Para uns trata-se apenas de uma “confusão” no cérebro, como uma miragem. Já para outros, ela seria o resultado de que presente, passado e futuro existem unidos e de alguma forma se tem acesso as trilhas invisíveis que nos conduzem nos destinos. Uma explicação absurda, mas que tem o aval da moderna física quântica. Seja qual for a explicação o fato é que vivi intensamente, o que reforçou a minha idéia de estar realizando um caminho, antes de tudo, espiritual.

Da Selva aos Andes - parte 1:Puerto Maldonado à Marcapata






Sai de Puerto Maldonado as 3 da manha e viajei as primeiras horas totalmente no escuro. A estrada contudo era segura, e pude viajar com absoluta tranqüilidade. Quase não havia trafego, embora nos primeiros quilômetros passassem por mim muitos táxis para pegar clientes na área peri-urbana de Maldonado, onde estão a maior parte das casas noturnas. Mas depois de alguns quilômetros, a estrada ficou praticamente deserta.Percebia apenas que estava em uma leve, mas constante subida.

Algumas horas depois o sol surgiu atrás de mim, lançando os raios da aurora por cima de minha cabeça.

Quando tudo começou a ficar mais claro, comecei a perceber que estava em uma região de floresta, mas com um solo totalmente diferente da região do Juruá. Ao invés do barro, lama e dos terrenos arenosos, imensas quantidades de cascalho brotavam a superfície, especialmente nos córregos que cruzam por baixo da pista. A água também, ao inves de barrenta ou negra como em nossa região, límpida e cristalina. A paisagem é bela e a estrada, boa e segue tranqüilamente assim ate a localidade Quince mil, onde surge um aviso diante do condutor: “Peligro de Muerte”. Daí para frente a estrada fica mais perigosa e também mais bonita. Contudo, é perfeitamente possível dirigir sem pressa e observar a paisagem. A estrada alias é uma obra admirável de engenharia, pontes suspensa a grandes altura em terrenos íngremes e curvas muito angulosas. Ainda assim, na maior parte da viagem há pista dupla, o que possibilita dois carros passarem em sentidos opostos. As exceções são os trechos em obras que são em geral bem sinalizados enquanto um funcionário da construtora regula o transito com placas abrindo e fechando para cada um dos lados. Absolutamente seguro. Algo que não vi, por exemplo, na BR 364 e que muitas vezes cria grandes complicações especialmente para os caminhoneiros.

Um dos trechos mais incríveis da viagem e o cruzamento do rio Inambari. Uma admirável ponte suspensa cruza o rio em grande altitude. Em algumas passagens o rio esta bastante deteriorado pelo efeito da mineração. Vemos nele uma água barrenta, e uma grande quantidade de cascalho fora de lugar, o que mudou um pouco o leito natural do rio. Mais acima, o rio apresenta sua beleza natural. De uma lado vemos o rio com seu grande caudal, corredeiras impressionantes que descem dos Andes em meio a floresta. A Floresta neste ponto, me lembrou um pouco a Serra do Mar. Imensos paredões de pedra cobertos com uma vegetação exuberante, muitas flores exóticas como orquídeas nascem em meio as arvores. Apesar da semelhança com a Serra do Mar, a paisagem supera em imponência, pois o rio que corre é imenso e os paredões de pedra se erguem a alturas inimagináveis no Brasil.

Cada curva na montanha é um mergulho mais para dentro dos Andes, é possível muitas vezes perceber a mudança de clima de vegetação a cada volta, para muitas vezes retornar ao bioma anterior. Isto por que a viagem, embora seja para o alto é feita de subidas e descidas, há vales profundos no interior que não são possíveis de serem cruzados no alto, então é necessário descer até quase o nível do rio, para novamente uma ponte cruzar para o outro lado. Então começa-se uma nova volta subindo pouco a pouco.

Mais adiante percebi uma mudança significativa na vegetação. As arvores, cada vez mais finas, são agora cobertas por liquens e musgos, muitas tem raízes aéreas. Uma forma de captar a umidade do ar, uma vez que a camada de solo é muito pequena até a rocha nua...

Fronteiras



De certa forma foi este incontido e inexplicável desejo de viajar, de expandir os limites para além do conhecido que me trouxe ao Vale do Juruá. Mas depois servir por três anos a Marinha do Brasil, percebi que a “visao de marinheiro” nao me bastava mais. Uma visita esporádica a muitos lugares permite apenas uma visao limitada, descomprometida. Com o Juruá nao bastava um simples namoro, a paixao foi tanta que resolvi casar e ser filhos. Enfim entranhar-me na realidade, deixar com que o sol, as águas, a terra e as gentes, me mudassem por dentro e por fora. Extrapolar as fronteiras de minha própria identidade. E assim se passaram dez anos e a identidade que antes fora nova já começa a pesar como uma incômoda carcaça que me impede de enchergar com maior profundidade, minha verdadeira e sagrada identidade.

E assim, como a um filho que chega a hora de nacer, surge novamente este inexplicavel desejo, que soa como ordem dentro de meu ser.

A viagem, em si, começa antes do primeiro passo, quando se decide, enfim, viajar. Entao estao lá, de prontidao, todos os medos como guardas cuidadosos que utilizarao d etodas suas manhas para nos fazer desistir. Há muitos mais motivos para nao faze-lo do que para realizar a viagem. Por isso, a razao nao conta. Há algo maior, misterio profundo que diz: “vai, segue em frente”.

Na primeira parada encontro a mim mesmo: estou só, magro e cansado. Fui deixado de lado por mim mesmo enquanto alimentava desesperadamente… O que mesmo? Nem me lembro! E de pensar que vivia dia após dia uma selvagem luta para cumprir metas e objetivos exteriores a mim, que nao me traziam mais compensaçao do que uma sardinha traz a uma foca que com sucesso, equilibra a bola no nariz. Chega uma hora que os aplausos do fim do dia nao mais ajudam.
Magro, sozinho e cansado sou presa fácil de minhas próprias ilusões.

Mas nao agora. Depois de consagrado na poeira da estrada, com o vento nos cabelos, sou outro. Ou melhor, longe de do que achava ser eu, sou mais eu mesmo.

“Vou me encontrar longe do meu lugar, eu, caçador de mim” –

Milton Nascimento – Caçador de Mim


Legenda: Foto 1 - Na transocêanica, proximo à tríplice fronteira (BOL-PE-BRA). Foto 2: Um vilarejo entre Iñapari e P.Maldonado (Peru)

Primeiro Trecho





Como toda grande viagem esta também começa com um primeiro passo. Embora como todos sabemos, o passo de sair do Juruá a través da BR 364 talvez seja o maior e mais difícil. Bem, pelo menos até aqui. Para quem conseguiu transpor os quase 700 km de Cruzeiro do Sul até a capital, a viagem de Rio Branco até a fronteira de Assis Brasil, 330 km, sao “mamao com açucar”. Em tese é possível sair de Rio Branco e chegar e Puerto Maldonado em um único dia, afinal sao 570 km de estrada boa, exceto pelos 30 km que restam asfaltar para chegar a Puerto Maldonado. Contudo, a passagem pela aduana e pela migración de Iñapari tomam tempo suficiente do viajante para atrapalhar a sua chegada no mesmo dia, a menos que se arrisque trasegar a noite pela estrada, o que inclui os 30 km de terra que faltam ser asfaltados.

Alfandega

Antes de chegar a Assis Brasil, o viajante deve pegar uma papeleta na Polícia Federal, é preciso ter em maos a identidade e aí só serve mesmo o RG original, outras identidades aceitas no Brasil, como carteira de habilitaçao e carteiras profissionais nao sao aceitas e a viajem termina por ai mesmo. RG com mais de 10 anos tambem muitas vezes nao é aceito. Na pratica, vale mesmo a pena tirar o passaporte, o que em Rio Branco leva menos de 6 dias desde que se esteja com toda a papelada em ordem.
Para a entrada com veículo sao exigidos ainda os documentos originais do carro ou moto, que devem estar no nome do próprio condutor e também a carteira de habilitaçao Caso o documento do veiculo esteja no nome de outra pessoa, é necessário um outro documento expedido pelo consulado peruano em Rio Branco.
Tudo isso será exigido na alfandega e mais as fotocópias dos documentos que devem ser deixados na aduana peruana, onde um señor que adora música cubana, vai atender com mais ou menos boa vontade, dependendo da hora do dia. Lá também será expedido uma guia de conduçao para que se possa entrar no Peru dirigindo seu próprio veículo.


Câmbio

A troca de reais por soles pode ser feita em Iñapari mesmo, o mais seguro é o Banco de La Nacion, na praça principal de Iñapari, embora seja possivel trocar por taxas mais atrativas com pessoas e lojas que fazem o câmbio. Neste ponto é importaqnte ressaltar que há muitos trambiqueiros e a maioria, sao brasileiros. Há o caso de um distinto señor de Brasiléia que vendeu dólares falsos para acreanos incautos.
As taxas variam entre 1.40 soles/real até 1.55, dependendo do dia. Os reais nao sao tao aceitos no soo peruano como o sao na Bolívia, por isso é necesario trocar logo em Iñapari ou então conseguir dólares que sao aceitos em todo país.

Foto 1: Saindo de Brasiléia. Foto 2: Tríplice Fronteira


OBS: Erros ortograficos são abundantes, teclado em español